“Lutero montava escolas perto das igrejas e traduziu a Bíblia para a língua portuguesa.” Segundo Bandeira, os países que enriqueceram no século XIX foram aqueles que liam muito, como Alemanha, Inglaterra e EUA. “Quem não lia ficou para trás, como Portugal e Brasil.”

O escritor aborda esse assunto em palestras para professores. Nas conversas, também dá dicas de como educadores podem formar leitores. Uma atitude simples e poderosa é incentivar a troca de livros e bilhetes entre os alunos. Outra medida salutar é a redação de cartas para a diretoria com sugestões para melhoria da escola. No fundo, Bandeira quer as crianças expostas à leitura e à escrita o tempo todo, em casa e na sala de aula, sem obstáculos, uma situação diferente da que ele viveu durante a infância em Santos (SP).

A literatura é o sonho acordado das civilizações, já dizia Antonio Candido em um de seus textos mais conhecidos, cujo título esta reportagem toma emprestado. O sociólogo observa que o livro “desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.

Feita em 1988, essa análise de Antonio Candido continua atual. Embora a importância da literatura para o crescimento social e humano tenha sido debatida centenas de vezes, não fomos capazes de eliminar da sociedade as barreiras que afastam do mundo das letras inúmeras gerações.

O Brasil tem um índice anual de leitura per carpita de 1,7 livro – excluindo-se da conta as obras didáticas, a marca cai para 0,66. Nos EUA e em alguns países europeus, esse índice pode ser seis ou até dez vezes superior.

Educadores se perguntam como a escola pode estimular que as crianças descubram cedo o amor pelas letras. Em primeiro lugar, deve apresentar os alunos aos livros, destacar a leitura como um prazer, e não como tarefa obrigatória passível de avaliação, defende o escritor Pedro Bandeira, um dos campeões de venda de títulos infanto-juvenis, como mais de 60 obras publicadas e 8,6 milhões de exemplares comercializados.

“O Brasil não teve a fase da leitura como prazer, ao contrário de alguns países europeus”, lembra Bandeira. Ele explica que, diferentemente da traição católica, o protestantismo ensinava as pessoas a ler, por exemplo, a Bíblia.


Letras proibidas – Religiosos, os familiares de Bandeira o proibiam de ler, pois diziam que se assim o fizesse o “inferno iria lhe comer”. O menino sempre dava um jeito de burlar a vigilância e contava, nessa luta, com a ajuda da mãe, que sigilosamente o deixava correr para os livros. Como não era do time dos garotos esportistas, pois sofria – e ainda sofre – de asma, seu refúgio tornou-se a biblioteca do Colégio Canadá, escola pública onde estudou. “Sou produto da escola, mas tive uma base emocional sólida por causa da minha mãe, que ajudou a me desenvolver intelectualmente”, conta Bandeira, que nem chegou a conhecer o pai, falecido antes de o escritor nascer.

Colaborou para o amor pelos livros o ambiente santista da época, arejado pela onda modernista vinda da Paulicéia. “Era um menino quando conheci a Pagu (Escritora Patrícia Galvão) e convivia com a elite intelectual da cidade. Assim, ouvia alguém falar nomes como Sartre e ia correndo pesquisar nos livros quem era aquele cara. Lia muito.” De tanto ler e respirar cultura, Pedro Bandeira foi para São Paulo estudar ciências sociais na USP. Fez carreira como jornalista até escrever pequenas histórias para crianças a pedido da Editora Abril, onde trabalhava. Transformou-se, então, em um fenômeno de vendas e, hoje, dedica-se integralmente à literatura e à educação.

O cartunista e escritor Ziraldo também foi leitor voraz. A mãe foi fundamental na descoberta dos livros. “Aprendi a ler rápido e logo descobri as histórias em quadrinhos. Lia todos os gibis e também criava os meus. Um de meus personagens era o Capitão Thex, um herói interplanetário”, relembra o “pai” do personagem Menino Maluquinho. O apego aos livros era tanto que uma vez, antes de ser fotografado, a mãe pediu para o fotógrafo aguardar um minutinho: “Vou pegar o amigo do meu filho para sair na foto: o livro.”

Vovó dos Livros – Assim como Ziraldo, a escritora Tatiana Belenky começou a se divertir com as palavras ainda em casa. “Antes de eu aprender a ler, aos 4 anos, meu pai já lia para mim. E aprendi a ler brincando, porque uma vez ele me deu uma caixinha e não disse que aquilo era um alfabeto. Apenas falou ‘brinque’”, relembra a escritora, que nasceu na Rússia em 1919 e veio para o Brasil com 10 anos. “Ele sabia que eu faria perguntas. Então, me disse: ‘Isso é um B e isso é um U. Sabia que juntando faz BU?’. Em poucas semanas eu consegui criar palavras, além de saber de cor os livros que lia para mim.” Quando o primeiro neto de Tatiana fez 4 anos, ela reviveu a experiência. “Claro que aconteceu a mesma coisa com ele e deu certo”, diverte-se.

Tatiana não só aprendeu a ler brincando como aprendeu a levar a vida como se fosse tudo uma saborosa aventura de Júlio Verne. Com bom humor, conversa sobre sua vida literária como uma amiga mais velha que se delicia em contar “causos” para os pequenos leitores, de quem faz questão de estar próxima. E se alguém chamá-la de senhora, prepare-se para levar uma bronca. “Nada de ‘senhora’. É Ta-ti-a-na. Mas pode me chamar de Vovó dos Livros. É assim que as crianças se referem a mim”.

Nos encontros, os guris lhe enchem de questões. Às vezes, surgem indagações desconsertantes: “Uma vez, um menino me perguntou: ‘Você é a favor do aborto?’ Fiquei pensando e disse que era a favor do uso de anticoncepcionais. Usei de propósito uma palavra difícil. Achei que ele fosse perguntar mais alguma coisa, mas ficou quieto.”

Reflexo da vida – Estar perto das crianças e saber o que elas pensam é fundamental para quem vive do ofício de se comunicar com esse público. Depois de longos bate-papos, a imaginação do escritor se vê influenciada por histórias ricas e distintas. É o que ocorre com a paulistana Mirna Pinsky. “Trago para a minha escrita o que aprendo com as crianças. Hoje, alguns de meus personagens começam a ter um perfil diferente daqueles que eu costumava criar”, afirma a autora, cujo currículo apresenta mais de 35 livros publicados.

No seu caso, a influência maior é de caráter social. Há um ano, ela desenvolve um trabalho voluntário chamado Escreve Comigo, feito em 89 escolas estaduais de bairros da periferia de São Paulo. Uma vez por semana, Mirna visita escolas e explica aos alunos como trabalha um escritor e como se edita um livro. Como o objetivo é estimular a leitura e a escrita, a cada sessão os alunos são convidados a fazer textos a partir de um tema. A idéia é que, posteriormente, as professoras desdobrem a atividade em sala de aula, o que nem sempre acontece.

“Muitas professoras estão aquém das minhas expectativas. Gostaria que elas percebessem que podem, a partir da atividade que comecei com as crianças, continuar o trabalho. Poderiam, por exemplo, conversar com outras professoras da escola para que essas redações fossem compartilhadas entre os alunos. É apenas uma questão de usar a criatividade”, lamenta.

A queixa não significa esmorecimento. Pelo contrário. Mirna já está preparando outros projetos de estímulo à leitura. Todo esse esforço é para que o livro deixe de ser um objeto distante e passe a colorir os sonhos das novas gerações.

 


Obs.: Matéria cedida pela Revista Educação.
Colaboração: Clayton Melo
(Edição n.º 82 – fevereiro/2004 – Ano 7)