Panorama Geral:
É fato bem conhecido que a mortalidade por câncer (CA) do colo do útero é evitável, uma vez que as ações para seu controle contam com tecnologias para o diagnóstico e tratamento de lesões precursoras, permitindo a cura em 100% dos casos diagnosticados na fase inicial. Diante desse fato, surge uma questão bastante instigante: por que o Brasil, apesar de ter sido um dos primeiros países a utilizar a colposcopia associada ao exame citopatológico (Papanicolaou) para a detecção precoce do câncer do colo do útero ou de suas lesões precursoras, ainda tem uma das mais altas taxas de mortalidade por esse tipo de câncer?
Uma das respostas possíveis para essa questão é que existe uma lacuna entre os avanços técnicos e o acesso da população a eles. É, portanto, fundamental que haja mecanismos por meio dos quais mulheres motivadas a cuidar de sua saúde encontrem uma rede de serviços quantitativamente e qualitativamente capaz de suprir essa necessidade em todo o País.
A evolução do câncer do colo do útero, na maioria dos casos, se dá de forma lenta, passando por fases pré-clínicas detectáveis e curáveis. Dentre todos os tipos de câncer, é o que apresenta um dos mais altos potenciais de prevenção e cura. Seu pico de incidência situa-se entre mulheres de 40 a 60 anos de idade e apenas em uma pequena porcentagem daquelas com menos de 30 anos.
De forma geral, o câncer do colo do útero corresponde a cerca de 15% de todos os tipos de cânceres femininos, sendo o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres no mundo. Em alguns países em desenvolvimento, é o tipo mais comum de câncer feminino, enquanto que, em países desenvolvidos, chega a ocupar a sexta posição. Na América Latina e no Sudeste Asiático, as taxas de incidência são geralmente altas, enquanto na América do Norte, Austrália, Norte e Oeste Europeu, são consideradas baixas.
Quanto ao estágio do tumor no momento do diagnóstico, observado em hospitais que têm Registro Hospitalar de Câncer, mais de 70% das pacientes, entre aquelas cujos prontuários registram o estágio, apresentam-se em fase avançada da doença, o que limita, em muito, a possibilidade de cura.
Uma das principais razões desse panorama, no Brasil, resulta do fato de que, durante muitos anos, a realização do exame preventivo (Papanicolaou) - |
método de rastreamento sensível, seguro e de baixo custo que torna possível a detecção de lesões precursoras e de formas iniciais da doença – ocorreu fora do contexto de um programa organizado. Na rede de saúde, a maioria dos exames citopatológicos são realizados em mulheres com menos de 35 anos, provavelmente naquelas que comparecem aos postos para cuidados relativos à natalidade.
Fatores de Risco:
São considerados fatores de risco de câncer do colo do útero a multiplicidade de parceiros e a história de infecções sexualmente transmitidas (da mulher e de seu parceiro); a idade precoce na primeira relação sexual e a multiparidade. Além desses fatores, estudos epidemiológicos sugerem outros, cujo papel ainda não é conclusivo, tais como tabagismo, alimentação pobre em alguns micronutrientes, principalmente vitamina C, betacaroteno e folato, e o uso de anticoncepcionais.
Atualmente, a teoria mais aceita para a explicação do aparecimento do câncer do colo do útero repousa na transmissão sexual. Desde 1992, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a persistência da infecção pelo Vírus do Papiloma Humano (HPV) em altas cargas virais representa o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença. Sabe-se, também, que a infecção pelo HPV é essencial, mas não suficiente para a evolução do câncer. Além da tipagem e da carga viral do HPV, adquire importância a associação com outros fatores de risco que atuam como co-fatores, tais como a paridade elevada, o início precoce da atividade sexual e o número de parceiros sexuais. Em relação ao herpes-vírus, alguns estudos de caso de controle com sorologia têm demonstrado a presença do DNA viral em lesões pré-cancerosas ou cancerosas, mas esta presença é considerada como um marcador de atividade sexual, e não agente ativo da carcinogênese.
A análise da associação, se é que existe, entre o uso de contraceptivos orais e o risco de câncer invasivo do colo do útero é feita com dificuldades. Os contra ceptivos orais são usados por mulheres sexualmente ativas e que, em menor probabilidade, usam métodos de barreira, sendo por isso mais expostas ao risco de contrair HPV.
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Em compensação, essas mulheres comparecem mais ao ginecologista, tendo maior possibilidade de serem rastreadas para o câncer do colo do útero.
Em situações de imunossupressão, tais como no tabagismo, corticoterapia, diabetes, lúpus e AIDS, a incidência do câncer do colo do útero está aumentada. Isto também ocorre em situações em que há ingestão deficiente de vitamina A e C, betacaroteno e ácido fólico, comumente associadas com baixas condições socioeconômicas.

A Relação entre o CA de Colo de Útero e o HPV:
A prevalência do HPV (Vírus do Papiloma Humano) na população em geral é alta (5 a 20% das mulheres sexualmente ativas mostram positividade em testes moleculares) e este aumento tem sido verificado desde 1960, coincidindo com o aumento do uso de contraceptivos orais, diminuição do uso de outros métodos de barreira e avanço tecnológico nos métodos diagnósticos.
O HPV estabelece relações amplamente inofensivas, e a maioria das infecções passa despercebida, regredindo de maneira espontânea. São várias as formas de interação com o organismo humano. Na forma latente, a mulher não apresenta lesões clínicas, e a única forma de diagnóstico é a molecular. Quando a infecção é subclínica, a mulher não apresenta lesões diagnosticáveis a olho nu, e o diagnóstico pode ser sugerido a partir da citopatologia, colposcopia, microcolpohisteroscopia ou histologia. Na forma clínica, existe uma lesão visível macroscopicamente, representada pelo condiloma acuminado, com quase nenhuma potencialidade de progressão para o câncer. |
São conhecidos, atualmente, mais de 100 tipos diferentes de HPV e cerca de 20 destes possuem tropismo pelo epitélio escamoso do trato genital inferior (colo, vulva, corpo do períneo, região perianal e anal). Desses tipos, são considerados como de baixo risco para o desenvolvimento de câncer os de números 6, 11, 26, 40, 42, 53-55, 57, 59, 66 e 68 (relacionados principalmente a lesões benignas, tais como condiloma, e também à Neoplasia Intra-Epitelial Cervical – NIC I). Os de médio/alto risco são os de números 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56 e 59 (relacionados a lesões de alto grau – NIC II, III e câncer).
Como Aparece o CA de Colo de Útero:
O câncer, que não é uma doença única, e sim um conjunto de mais de 100 doenças diferentes, é resultante de alterações que determinam um crescimento celular desordenado, não controlado pelo organismo e que compromete tecidos e órgãos. No caso do câncer do colo do útero, o órgão acometido é o útero, em uma parte específica – o colo –, que fica em contato com a vagina.
Classicamente, a história natural do câncer do colo do útero é descrita como uma afecção iniciada com transformações intra-epiteliais progressivas que podem evoluir para uma lesão cancerosa invasora, num prazo de 10 a 20 anos.

O colo uterino é revestido por várias camadas de células epiteliais pavimentosas, arranjadas de forma bastante ordenada. Nas neoplasias intra-epiteliais, esta estratificação fica desordenada.
Quando a desordenação ocorre nas camadas mais basais do epitélio estratificado, estamos diante de uma displasia leve ou neoplasia intra-epitelial cervical grau I (NIC I). Cerca de 60% das mulheres com NIC I vão apresentar regressão espontânea, 30% podem apresentar persistência da lesão como tal, e das demais, menos de 10% irão evoluir para NIC III, sendo a progressão para o câncer invasor estimada em cerca de 1%.
Se a desordenação avança até os três quartos de espessura do epitélio, preservando as camadas mais superficiais, estamos diante de uma displasia moderada ou NIC II. |
Na NIC III, o desarranjo é observado em todas as camadas.
Quando as alterações celulares se tornam mais intensas e o grau de desarranjo é tal que as células invadem o tecido conjuntivo do colo do útero abaixo do epitélio, temos o carcinoma invasor.
Para chegar a câncer invasor, a lesão não tem, obrigatoriamente, que passar por todas estas etapas. As lesões de alto grau são consideradas como as verdadeiras precursoras do câncer e, se não tratadas, em boa proporção dos casos, evoluirão para o carcinoma invasor do colo do útero.
Controle e Prevenção
do CA de Colo de Útero:
No Brasil, o controle do câncer do colo do útero representa, atualmente, um dos grandes desafios para a saúde pública. A falta de uma política nacional que permitisse a articulação das diferentes etapas de um programa (recrutamento/busca ativa das mulheres-alvo, coleta, citopatologia, controle de qualidade e tratamento dos casos positivos) de forma eqüitativa em todo o território nacional, assim como uma avaliação adequada dos resultados obtidos, são considerados dois dos principais motivos pelos quais as ações de prevenção do câncer do colo do útero, no Brasil, com algumas exceções regionais, não conseguiram trazer impacto sobre a incidência e mortalidade da doença no país como um todo. Assim, a partir da Conferência Mundial Sobre a Mulher, ocorrida na China, em 1995, o Governo brasileiro passou a investir esforços na organização de uma rede nacional de detecção precoce do câncer do colo do útero.
Um aspecto bastante relevante do ponto de vista da prevenção é que o processo da formação do câncer pode ser interrompido, dependendo da fase em que se encontra, do nível do dano sofrido pela célula e, principalmente, da suspensão da exposição ao agente cancerígeno.
A prevenção primária é quando se evita o aparecimento da doença por meio da intervenção no meio ambiente e em seus fatores de risco, como o estímulo ao sexo seguro, a correção das deficiências nutricionais e a diminuição da exposição ao tabaco. A mulher com situação de risco pode ser identificada durante a consulta ginecológica e deve ser acompanhada de maneira mais freqüente.
É importante investigar quando foi a última coleta do exame citopatológico (Papanicolaou) e qual o resultado do exame. Algum tipo de tratamento no colo do útero deve ser investigado.
O uso de DIU, tratamentos hormonais ou radioterápicos, além de uma gestação atual, devem ser investigados. A presença de sangramento vaginal fora do período menstrual normal deve ser investigada, além de sangramento vaginal após relação sexual (sinusiorragia). |
A identificação de um perfil de risco deve ser realizada.
A presença de uma infecção pelo herpes-vírus deve ser valorizada, por este vírus ser considerado um marcador de atividade sexual. Em situações de imunossupressão, a incidência do câncer do colo do útero está aumentada, tais como no tabagismo, corticoideterapia, diabetes, lúpus e AIDS. O estado de nutrição deve ser avaliado, pois a desnutrição está associada a um aumento de incidência do câncer do colo do útero. É importante que se questione, também, o grau de instrução da paciente e como a mulher se alimenta. Em mulheres nas quais tenha sido identificado algum fator de risco, como por exemplo, a infecção pelo vírus HIV, o rastreamento pelo exame citopatológico (Papanicolaou), a ser recomendado, deve ser anual.
O câncer do colo do útero é uma doença de crescimento lento e silencioso. A detecção precoce do câncer do colo do útero ou de lesões precursoras é plenamente justificável, pois a curabilidade pode chegar a 100% e, em grande número de vezes, a resolução ocorrerá ainda em nível ambulatorial.
Por ser uma técnica de alta eficácia, baixo custo e indolor, além de bem aceita pela população, a citopatologia (exame preventivo – Papanicolaou) é considerada ideal, na nossa população, para o rastreamento do câncer do colo do útero.
Após a primeira citopatologia, cada mulher terá uma estratégia de seguimento diferente.

As com exame negativo para câncer devem repetir nova citopatologia após um ano. Permanecendo o mesmo resultado, elas devem ser orientadas para nova coleta em três anos.
Assim, a partir de dois exames citológicos anuais consecutivos com resultado negativo para CA de colo de útero, a mulher somente necessitará realizar novo exame a cada três anos.
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Falando sobre câncer e seus fatores de risco. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer. Coordenação Nacional de Controle do tabagismo e Prevenção Primária de Câncer (Contapp), 1997. |