
Por Jaciara Moreira
Qual a relação
entre escrever e catar feijão? Errou quem respondeu
nenhuma. As atividades estão mais próximas do
que se pode imaginar. Que o diga a professora de Língua
Portuguesa Janyr Lapa Moreira. Com base no poema “Catar
Feijão”, que faz parte do livro Educação
pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, ela desenvolveu
um método pedagógico para estimular a escrita
e a leitura entre alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental.
No poema, João Cabral
traça um paralelo entre o ato de escolher o feijão
bom para levar à panela e o de selecionar as palavras
certas para colocar no papel, no momento de redigir um texto.
E foi exatamente esta idéia que Janyr levou para a
sala de aula. A experiência deu tão certo que,
atualmente, a metodologia é aplicada a outras disciplinas
como a Matemática, além de servir de base para
oficinas de professores.
“A palavra é como
um dardo. Pode estar envenenada ou não; pode levar
para o alto ou derrubar. Depende de como é usada. Catar
feijão é como catar palavras. Quando catamos
o feijão, separamos aquilo que não é
feijão ou que não é feijão bom.
Com as palavras, tem de acontecer o mesmo, ou seja, o que
não é palavra adequada ou não é
palavra boa deve ser jogado fora. João Cabral dizia
que escrever é um trabalho de depuração;
as palavras devem ser degustadas e selecionadas pelo seu sabor
e peso, não podem boiar à toa. Nós não
temos esse hábito e o meu objetivo é estimular
a reflexão sobre o ato de ler e escrever”, explica
a professora, que hoje é coordenadora pedagógica
da Escola Municipal Barão da Taquara, em Jacarepaguá,
no Rio de Janeiro. 
Munida de textos motivadores,
feijão, alguidares, papel pardo, caneta, cola, tesoura,
recortes de jornais e de revistas, a professora de Língua
Portuguesa – ou de Língua Materna, como prefere
denominar – mudou a dinâmica de suas aulas. No
entanto, fazer os alunos entenderem que, por meio de uma tarefa
doméstica da qual muitos nem participavam, seria possível
escrever melhor não foi tarefa fácil. Janyr
lembra que, no início, enfrentou muitas resistências.
“Quando chegava na sala,
ouvia as crianças dizendo: ‘lá vem enrolação’.
Até mesmo os colegas me olhavam meio assustados quando
me viam pegando o meu material didático: saco de feijão,
água, alguidar”, conta.
Com o tempo, a turma passou
a se interessar e a entender os objetivos da nova atividade.
O trabalho consiste em desenvolver, em sala de aula, todas
as etapas do “catar feijão”, exatamente
como acontece nos milhares de lares brasileiros. A diferença
é que, na escola, a tarefa ganha requintes pedagógicos.
A metodologia inclui, entre outras coisas, dinâmica
de sensibilização dos alunos sobre o tema, apresentação
do texto-base (poesia de João Cabral), estudo do vocabulário
e apresentação do autor.
“A primeira coisa que
a gente faz quando vai catar o feijão é abrir
o saco. É assim também nas aulas. A gente abre
o saco, joga o feijão na mesa e começa a escolher.
Os bons vão para o alguidar com água. Daí,
há uma nova seleção, desta vez para retirar
os que boiaram. No primeiro momento, trabalhamos juntos. Depois,
eles fazem entre eles, em grupos”, explica Janyr.
De acordo com a professora,
abrir o saco do feijão é “abrir”
a cabeça ou deixar as palavras fluírem. Já
jogar o feijão na mesa é jogar as palavras no
papel. E assim por diante. Em um quadro de papel pardo, ela
mostra, passo a passo, a relação entre catar
feijão e escrever: escolher o feijão / escolher
as palavras; retirar o grão que não serve /
retirar palavras inadequadas; colocar o feijão na água,
(re)limpar / rever o que escreveu; colocar no fogo / produzir
o texto final; temperar e saborear / ler e saborear.
Janyr afirma que o método
pode ser aplicado em qualquer época do ano letivo,
mas ressalta que o momento mais adequado é aquele em
que o professor sente que a turma está com dificuldades
para colocar as idéias no papel. A atividade deve ser
repetida até que todos assimilem bem as etapas do “catar
feijão” e consigam relacioná-las com o
ato de escrever. A partir daí, o professor deve apenas
inserir o conceito. Por exemplo: Se, algum tempo depois de
ter desenvolvido a atividade com a turma, ele perceber que
alguém está com dificuldade para organizar as
idéias, pode lembrar que escrever é como catar
feijão. Segundo Janyr, essa será a senha para
que a pessoa recorde todo o processo e consiga desenvolver
o seu texto. 
Aplicação na Matemática
Se escrever e catar feijão,
a princípio, parecem coisas díspares, imagine
o que deve passar pela cabeça dos alunos quando eles
descobrem que terão de redigir textos nas aulas de
Matemática. Com o método Catar Feijão
tudo é possível. Janyr Lapa considera que as
duas disciplinas são faces da mesma moeda, já
que recae sobre elas boa parte da culpa pelas dificuldades
de aprendizado.
“Se um aluno perde o
ano porque não sabe escrever ou calcular, todos acham
justificável porque Português e Matemática
são disciplinas muito difíceis. O raciocínio
é esse. As duas matérias ainda são encaradas
como as grandes vilãs”, critica.
O professor Marcelo Silva Basto,
que leciona Matemática para as turmas de 5.ª,
6.ª e 8.ª séries da Escola Municipal Barão
da Taquara, percebeu que seus alunos estavam com dificuldades
para interpretar alguns problemas e, ao conversar com a colega
Janyr, decidiu incluir em suas aulas as técnicas do
catar feijão.
“A atividade nos ajuda
a descobrir se o aluno tem ou não uma boa base, se
sabe organizar idéias e até onde ele pode ir.
Às vezes, a criança não estuda porque
não consegue entender o que está escrito no
livro. O registro da Matemática não é
apenas numérico”, destaca Marcelo.
Buscar recursos em atividades
extralivro didático sempre foi um hábito de
Marcelo. Ao apresentar um assunto, ele procura fazer com que
o aluno coloque no papel tudo o que sabe sobre aquele tema.
Suas aulas costumam contar ainda com o apoio de recortes de
jornais para a interpretação de gráficos,
por exemplo, e a apresentação de vídeos.
Nesse trabalho, havia sempre casos de dificuldades com a escrita.
Hoje, o problema é solucionado com a oficina de catar
feijão.
“Estamos conseguindo
desmistificar a escrita e, conseqüentemente, facilitar
o aprendizado da Matemática”, observa Marcelo.
A diretora da escola, Léa
Carvalho Ramos Antunes, diz que, além de promover a
interdisciplinaridade, o método – utilizado desde
1999 – tornou o corpo discente mais interessado:
“Os alunos passaram a
se envolver mais com as aulas e deixaram de encarar as matérias
com o grau de dificuldade de antes. Sem contar que a atividade
facilitou a interação entre as disciplinas”.
Os resultados do Catar
Feijão chamaram a atenção dos coordenadores
da 7.ª Coordenadoria Regional de Educação
(CRE) – onde está inserida a Escola Barão
da Taquara – e, este ano, o projeto deve ser aplicado
em oficinas voltadas para professores e coordenadores pedagógicos.
O objetivo é levar o método a outras escolas.

Catar Feijão
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e, depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora , nesse catar feijão, entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
(João Cabral de Melo Neto)
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