
Dígrafo, tritongo e outros termos do gênero costumam dar arrepios. Mas não é tão difícil assim ensinar alguns dos mais detestados temas de Português. Você só vai precisar de papel-cartão. Mãos à obra.
Existem regras de Português
que embaralham a cabeça dos alunos porque lidam
com uma questão complicada: as diferenças
entre os sons das palavras e a forma como elas são
escritas. Foi pensando nesse problema que a professora
paulista Nílvia Pantaleoni, especialista na
criação de jogos educativos e aluna
de mestrado da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP), criou o baralho das
letras.
Nesse baralho, que
pode ser feito com papel-cartão, cada carta
representa o som de uma letra. As consoantes são
escritas em cartas brancas e cada vogal corresponde
a cartas de determinada cor. A brincadeira é
montar palavras com o material.
Para jogar certo, o
aluno precisa considerar os sons que compõem
as palavras a serem montadas. Aí está
o segredo. Sem querer, ele pratica a fonologia, o
estudo dos sons do idioma, tema estudado na quinta
e na sexta séries. “Em vez de decorar
conceitos, a criança pode ver como as coisas
funcionam na prática”, diz a professora
Nílvia.
Aprenda aqui a utilizar,
com sua classe, a atividade que ela inventou.
CONCEITOS QUE VOCÊ PODE ENSINAR COM O JOGO
Enquanto joga, o aluno
trabalha com o conceito de fonema, a menor unidade
sonora de uma palavra. Essa idéia é
a base da fonologia. Existe muita confusão
entre fonema e letra. A letra é a menor unidade
gráfica da palavra escrita.
Em princípio,
cada som que emitimos ao pronunciar uma palavra é
representado por uma das letras dela. Mas nem sempre
é assim. O h, por exemplo, não corresponde
a um fonema em português porque não tem
som. Hora tem som de “ora”, hábito
tem som de “ábito”.
Com o baralho, as diferenças
entre som e grafia ficam claras. A partir disso, o
professor pode tratar de várias outras questões.
Veja alguns conceitos que você poderá
discutir com seus alunos a partir da atividade.
Dígrafo
Fonema formado por
duas letras que representam um só som, como
rr, ss, lh, nh, ch, gu e qu. Atenção:
br, cr, dr, tr, fl e outras duplas de consoantes não
são dígrafos porque, nesses casos, cada
consoante é pronunciada com seu próprio
som. Portanto, para saber se um encontro de consoantes
é ou não um dígrafo, veja se
as duas letras produzem um só som ou se elas
têm sons individuais.

Vogal
Oral – Fonema produzido quando
o ar escapa livremente pela boca. As vogais orais
são a, e, i, o, u. As vogais “e”
e “o” podem ser abertas ou fechadas (é
ou ê, ó ou ô). No jogo, não
há diferença entre vogal aberta e fechada.
O aluno deve usar a mesma carta para representar as
duas.
Vogal Nasal –
Fonema criado quando a vogal é pronunciada
em parte pela boca e em parte pelo nariz. Aí
se produz uma ressonância nasal. As vogais nasais
são am, an, ã, em, en, im, in, om, on,
õ, um, un. Observe que algumas vogais nasais
são dígrafos, pois são escritas
com duas letras, mas têm só um som. No
baralho, as vogais nasais não são representadas
como dígrafos, e sim pelas cartas coloridas,
colocadas em posição inclinada. As palavras
campo e pombo têm vogais nasais. Algumas vezes,
a vogal está numa sílaba e as consoantes
m e n, responsáveis pelo som nasalado, estão
na sílaba seguinte. É o que acontece
com as palavras cama e banana. Isso pode causar confusão,
porque alguns gramáticos classificam o “a”
desses casos como vogal nasal e outros consideram
que não existe nasalização. Para
não atrapalhar seus alunos, evite esse tipo
de palavra (com vogal numa sílaba e m ou n
na sílaba seguinte) nos exercícios que
montar com as cartas do baralho.
Consoante
– Fonema que se forma quando o
aparelho fonador (partes do corpo que usamos para
falar, como língua, nariz e lábios)
produz obstáculos à corrente de ar.
Para pronunciar a consoante b, por exemplo, fechamos
a boca.
Sílaba –
Som emitido de uma só vez. Ele se compõe
de apenas um fonema ou de um grupo deles. Em português,
a vogal é a base da sílaba. Toda sílaba
tem uma vogal, mas nunca tem mais de uma. Quando há
duas vogais na sílaba (encontro vocálico),
uma delas passa a funcionar como consoante e é
chamada de semivogal.
Semivogal
– Fonema pronunciado como a vogal,
só que de maneira mais fraca. Diz-se que a
semivogal funciona como uma consoante porque, assim
como a consoante, ela não pode ser base de
uma sílaba. As vogais “i” e “u”
se transformam em semivogais quando estão juntas
de outra vogal numa mesma sílaba. É
o que acontece nas palavras cabeceira e réu.
As vogais “e” e “o” se transformam
em semivogais apenas quando têm som de “i”
e “u”, como em mãe e pão.
A vogal a nunca se transforma em semivogal.
Encontro
vocálico – Acontece quando duas
vogais são vizinhas numa mesma palavra. É
classificado de diferentes formas. Entenda agora como
e por quê.
Ditongo
– Quando duas vogais se encontram na
sílaba e uma delas vira semivogal, temos um
ditongo. O ditongo é crescente quando uma semivogal
vem antes de uma vogal. No decrescente, acontece o
contrário: a vogal aparece antes da semivogal.
Ditongo Crescente

Ditongo Decrescente
Tritongo – Encontro, na sílaba, de uma vogal cercada por duas semivogais.

Hiato – Encontro de duas vogais. Como não pode haver mais de uma vogal em uma sílaba, cada uma delas deve ficar numa sílaba diferente.
PARA FAZER O BARALHO
As cartas das vogais
não têm nada escrito. No jogo, elas devem
ser identificadas pelo aluno por um código
de cinco cores adotado no baralho.
Para fazer as cartas,
recorte quadrados de papel-cartão de 3 centímetros
de lado. Alguns serão cortados na diagonal
para formar triângulos. As cartas são
de três tipos:
Quadrados brancos representam as consoantes e os dígrafos
que não sejam vogais nasais. Um baralho completo
tem quatro cartas de cada consoante e quatro de cada
dígrafo.
Quadrados
coloridos representam as vogais orais e nasais. Um
jogo completo tem dez cartas de cada vogal.
Triângulos
coloridos representam as semivogais. Cada baralho
tem cinco cartas de cada semivogal.
Consoantes
As letras “k”,
“w” e “y” não entram
porque não fazem parte do alfabeto do nosso
idioma. O “h” também não,
por não ter som. E o “q” fica junto
com os dígrafos. As consoantes do baralho são
estas:
b c ç d f g j l m n p r s t v x z.
Dígrafos
Também são de papel-cartão branco. Estes são os dígrafos do baralho:
ch gu lh nh qu rr ss sc sç xc
Vogais Orais
Elas devem ter as seguintes cores:
a: amarelo
e: laranja
i: vermelho
o: marrom
u: preto
Vogais Nasais
As cartas das vogais
orais também servem para as nasais. Nesse caso,
o aluno deve colocá-las em posição
inclinada, como losangos.
am, an ou ã
em ou en
im ou in
om, on ou õ
um ou un
Semivogais
Recorte na diagonal
quadrados vermelhos e pretos formando triângulos.
Os vermelhos são para “i”. Os pretos,
para “u”.

i: vermelho
u: preto
COMO SE JOGA?
Em primeiro lugar,
lembre-se de que esse jogo é apenas uma atividade
complementar. “Ele, sozinho, não ensina
fonologia”, alerta a professora Nílvia.
Acompanhe aqui um roteiro básico de trabalho
com as cartas.
1. Explique como funcionam as cartas das consoantes, dos dígrafos, das vogais e das semivogais. 
2. Divida a turma em grupos de quatro. Cada equipe ganha um baralho.
3. As palavras a serem
montadas no jogo podem fazer parte de textos com os
quais você estiver trabalhando. Antes de passá-las
para a turma, faça sozinho um teste, para ver
se o número de cartas de um baralho completo
será suficiente para cada grupo. Se não
for, monte baralhos especiais. Escreva as palavras
no quadro-negro.
4. Dê o sinal de partida para que as equipes comecem a montagem.
5. Ganha o grupo que terminar a montagem correta primeiro.
6. Sugira aos alunos que montem novas palavras, escolhidas por eles.
7. Um detalhe importante
é que, quando a letra “e” soa como
/i/ (como em mãe) e quando a letra “o”
soa como /u/ (não, pão, saguão),
os alunos devem escolher o triângulo vermelho
(semivogal i) para representar o último som
da palavra mãe e o triângulo preto (semivogal
u) para o último som de não, pão
e saguão. Mas isso só acontece se as
letras “e” e “o”, além
da mudança sonora, passam também a ter
função de semivogais. Nas palavras dente
e menino, por exemplo, as letras “e” e
“o” finais têm respectivamente som
de /i/ e /u/ e não viram semivogais. No jogo,
esse “e” deve ganhar uma carta laranja
e esse “o”, uma carta marrom.
8. O aluno não
precisa se preocupar em substituir cartas no caso
de consoantes que têm sons diferentes do seu
próprio, como “s” com som de “z”
(na palavra casa) ou “x” com som de “z”
(na palavra exame).
NA PRÁTICA, FUNCIONA ASSIM
Acompanhe este exercício,
criado a partir da música Aquarela, de Toquinho,
Vinícius de Moraes, Guido Morra e Maurizio
Fabrizio. À direita, algumas palavras montadas
com as cartas do jogo.
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo.
E, com cinco ou seis retas, é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando
Contornando a imensa curva norte-sul
Vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco à vela branco navegando
É tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno indo
E se a gente quiser
Ele vai pousar
Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida
De uma América a outra consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e, num círculo, eu faço o mundo
Um menino caminha e caminhando chega num muro
E ali, logo em frente, a esperar pela gente
O futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar
Sem pedir licença, muda nossa vida
E depois convida a rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá

A carta marrom, que representa a vogal o, fica entre as cartas brancas das consoantes s e l.
A carta amarela está inclinada porque a vogal ã é nasal. O o tem som de u.
O i nasalado ganha uma carta inclinada. Há dois dígrafos, gu e nh.
Um caso de ditongo. A carta amarela é a vogal a e o triângulo vermelho, a semivogal i.
O h não entra. Aqui existe hiato porque o i, de som forte, não se transforma em semivogal.
No ditongo, a carta laranja é a vogal e e o triângulo vermelho é a semivogal i.
A vogal nasal in ganha uma carta vermelha inclinada.
Neste ditongo, a vogal o (marrom) e a semivogal u (triângulo preto).
Há o hiato no final, composto pelas vogais i (carta vermelha) e o (carta marrom).
O ss fica numa só carta. Existem duas vogais a representadas por cartas amarelas.
Aqui, outro dígrafo, ch, representado por uma carta branca correspondente.
Repare que o s e o t são marcados com cartas individuais, pois não formam dígrafo.
Também não ocorre dígrafo com as consoantes s, t e r.
Além da vogal nasal en (carta laranja inclinada), aparece a consoante ç.
A carta vermelha representa a vogal i, que fica entre duas consoantes r.
A carta vermelha inclinada foi escolhida porque a vogal i, neste caso, é nasal.
Outro hiato. A carta vermelha marca a vogal i e a amarela, a vogal a.
Obs.: Matéria cedida pela
Revista Nova Escola
Colaboração: Adriana Vera e Silva
(Edição n.º 104 – Agosto/1997)
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