O som mágico de Pixinguinha ecoa nas salas de aula do Ciep 502

Por Jaciara Moreira

Pixinguinha já foi tema de samba-enredo, serviu de inspiração para autores de livros, novelas e peças de Teatro, ganhou estátua em praça pública e, por centenas de vezes, teve seu nome lembrado nos bancos acadêmicos. Mas, certamente, o mestre do chorinho ficaria surpreso ao ver que sua obra despertou o interesse de crianças de 5 anos. Apesar da pouca idade, um grupo de alunos do Ciep 01.02.502, que funciona no setor 6 do Sambódromo do Rio, mergulhou fundo na história do autor de Carinhoso, desde sua infância no bairro do Catumbi (onde também está localizada a escola) até a viagem à França, com o grupo Os Oito Batutas. E chegaram ao fim do ano letivo de 2003 sabendo tudo sobre o compositor.

A façanha foi conseguida pela professora de Educação Infantil Fátima Maria Gonçalves Moreira. No ano em que completava 30 anos da morte do músico, Fátima apresentou, na escola, o projeto Pixinguinha, 30 anos de Saudade.Além de homenagear Alfredo da Rocha Vianna – o mestre Pixinguinha –, o projeto teve o objetivo de trabalhar a interdisciplinaridade, valorizar a auto-estima das crianças, mostrar os costumes sociais e os meios de transportes da época em quem ele viveu, familiarizar e despertar o gosto pela leitura e pela escrita de poesias, apresentar os diferentes tipos de instrumentos musicais e mostrar fatos importantes da história brasileira e mundial.

“Por tudo o que representou para a cultura nacional, Pixinguinha merece ser lembrado sempre. E, nesse momento, acredito que o mais importante é divulgarmos sua obra musical para as novas gerações”, afirma Fátima. “Ao longo do ano, convivemos com Pixinguinha, conhecendo a sua história e, para nossa admiração, parte dessa história aconteceu aqui no nosso bairro. Isso foi fundamental para mostrarmos às crianças que elas deveriam se orgulhar da sua raça, do seu povo e do seu País”, continua a professora, revelando ser fã do compositor.

Segundo Fátima, os alunos da escola, que funciona em horário integral e atende crianças de 4 a 6 anos de classe social baixa, costumavam dizer que não gostavam do lugar onde viviam, pois o achavam feio e sentiam medo da violência. E, com o projeto, ela conseguiu amenizar essa situação.

“Foi uma experiência maravilhosa. Houve uma valorização da auto-estima surpreendente. Antes do projeto, os alunos negros se autodescreviam como “moreninhos”, depois já se reconheciam como negros ou afrodescendentes. Também senti que já não estavam tão insatisfeitos com o bairro onde moravam e falavam que, se todos ajudassem, poderiam ter um lugar melhor”, enfatiza.

De acordo com a professora, a disciplina também melhorou. O aluno que em uma das fases do projeto representou Pixinguinha, por exemplo, tinha sérios problemas de comportamento e passou a ser mais responsável e carinhoso.

Aniversário

O projeto teve início no dia 23 de abril, data do aniversário de Pixinguinha. Àquela altura, a professora já tinha recolhido todo o material disponível sobre o músico em sites, revistas, matérias jornalísticas, museus e livros, entre eles, Pixinguinha, Vida e Obra, de Sérgio Cabral, Editora Lumiar, e Pixinguinha, Filho de Ogum Bexiguento, de Marília Barbosa, Editora Gryphus. O acervo incluiu ainda fotografias, vídeos e muita conversa com a família do compositor. Feliz e impressionado com a iniciativa, um dos netos de Pixinguinha, Marcelo Vianna, cantor e ator, quis visitar a escola e conhecer de perto as crianças.

“Foi um prazer conhecer o Marcelo. Ele me ajudou muito na elaboração do projeto com dicas, informações e sugestões, além de ter vindo à nossa escola, o que deixou as crianças muito felizes”, relembra Fátima.

A primeira atividade da professora com a turma foi a divulgação de fotos e músicas de Pixinguinha, que passariam a ser utilizadas em vários eventos da escola. Carinhoso foi o carro-chefe. As crianças aprenderam os versos da canção e, em maio, fizeram uma apresentação especial na festa do Dia das Mães. Em seguida, foi feita uma adaptação de dois livros da Literatura Infanto-juvenil: Pixinguinha, de André Diniz e Juliana Lins, Editora Moderna, e Menino Bom, de Lúcia Fidalgo, Editora Dimensão.

“Criei uma história própria e de fácil entendimento para ser contada em classe. Apresentei Pixinguinha como uma criança que gostava de empinar pipas, uma criança como eles, no bairro do Catumbi”, conta a professora.

Em pouco tempo, o músico passou a ser uma pessoa próxima dos alunos e começou a ser chamado de “Nosso vovozinho”. A partir daí, foi só adaptar o conteúdo do projeto a fatos da vida de Pixinguinha e da época em que ele viveu, por meio de atividades lúdicas e vocabulário próprio à faixa etária da escola. Com recortes e colagens, professora e alunos preparam cartazes com cenas do compositor. Depois, produziram maquetes de Pixinguinha e de seu grupo musical – Os Oito Batutas.

As informações sobre a relação de Pixinguinha com a família, em especial com a avó que o apelidou de Pizindim (menino bom), ajudaram a professora a trabalhar, com os pequenos alunos, a vida em família, seus apelidos e origens, as brincadeiras e as festas de aniversário: “Apresentando o trabalho no dia do aniversário de Pixinguinha, trabalhei com eles o que é aniversário e pedi para que cada um contasse como comemorava o seu” .

O Bairro

A história do bairro foi levantada dentro do subprojeto Trabalhando Nosso Bairro.O objetivo, conforme explica a professora, era resgatar a imagem de um bairro que já foi considerado nobre, com casarões que abrigavam famílias importantes da sociedade carioca. Reduto da boêmia, o Catumbi também era ponto obrigatório e residência de artistas que alavancaram a cultura nacional. Hoje, segundo os próprios moradores, o local é apontado como área de risco, não possui espaços adequados para lazer, faltam postos de saúde e comércio.

“O cenário atual faz a maioria das crianças não gostar do bairro. Então, conversamos com moradores antigos, conhecemos as principais ruas, ressaltando que Pixinguinha foi criança e brincava ali como eles. Conhecemos a Rua Chichorro, onde a família Vianna vivia e, assim, fomos descobrindo histórias que encheram as crianças de orgulho”, diz Fátima.

Uma lembrança triste dos tempos do Pixinguinha menino foi a época em que ele teve varíola. A professora, no entanto, aproveitou a situação para falar aos alunos sobre saúde, estabelecendo uma comparação entre as doenças de antigamente (gripe espanhola, febre amarela etc.) e as de hoje. Formas de prevenção, vacinas, saneamento e higiene foram alguns dos temas abordados em sala de aula. E, como tarefa, cada criança teve que levar para a escola uma mostra de erva medicinal, que foi identificada com o nome e a propriedade.

O projeto interdisciplinar, que foi elaborado inicialmente para a turma da professora Fátima, aos poucos envolveu toda a escola. A disciplina de Ciências foi usada para falar dos males que atingiram Pixinguinha e a de História retratou os costumes, fatos e personagens marcantes da virada do século até a década de 70. O projeto incluiu, ainda, as disciplinas de Língua Portuguesa, Música, Dança, Artes Cênicas e Matemática.

Baseando-se no grupo Os Oito Batutas, a professora trabalhou contagem e, ainda recorrendo aos princípios matemáticos, deu explicações sobre o sistema monetário vigente naquela época e o atual. O programa de Português foi incluído em todo o projeto, que envolveu leitura, escrita, uso de letras maiúsculas, vocabulário e pontuação.

“Chegamos a montar um alfabeto com as palavras relacionadas ao projeto. Por exemplo, P de Pixinguinha, S de saxofone, F de Flauta, R de Rosa e assim por diante”, exemplifica Fátima.

Para falar da viagem do grupo de Pixinguinha à França, na década de 20, a idéia foi recorrer à Geografia. Com a ajuda de um globo terrestre, a professora mostrou às crianças onde estava localizado aquele País, o Brasil e outros lugares famosos como a Argentina. Aproveitando o gancho, ela utilizou o mapa do Estado do Rio de Janeiro para falar da localização de bairros cariocas. Os meios de transportes utilizados na época também foram explorados. Qual seria o transporte utilizado pelos batutas para chegara à França? A pergunta, lançada em aula, serviu para a professora explicar que, naquele tempo, o navio era usado para se viajar para lugares distantes. Em seguida, ela citou Santos Dumont e suas experiências com balões e aviões, além de mostrar a evolução dos transportes até hoje.

O projeto incluiu ainda visitas ao Museu da Imagem e do Som (MIS), onde as crianças ouviram a voz de Pixinguinha gravada durante uma entrevista concedida ao museu nos anos 60; ao Instituto Moreira Salles, onde estão os objetos pessoais do compositor e seu acervo musical; à estátua de Pixinguinha, localizada na Travessa do Ouvidor, Centro do Rio, e ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), durante a exposição Arte da África.

Destaques

A imersão das crianças no mundo de Pixinguinha rendeu uma exposição sobre a evolução dos meios de comunicação; a criação de uma escola de samba mirim, que, no Dia do Folclore, se apresentou no Sambódromo com o mesmo enredo que a Portela levou para a avenida em 1974: O Mundo Melhor de Pixinguinha; um coral e um grupo de dança, cuja coreografia – Lundus, Maxixes e Sambas, Crianças em Pixinguinha – era baseada na obra do músico. A apresentação, que incluiu até a caracterização de um dos alunos como Pixinguinha, foi selecionada para participar da Mostra de Dança 2003, organizada pela Secretaria Municipal de Educação e escolhida entre as finalistas. Para um ano que começou com Pixinguinha, o desfecho não poderia fugir à regra: a árvore de Natal da escola ganhou vários anjinhos negros, um deles representava o mestre do Chorinho.

“Foi uma experiência maravilhosa e muito enriquecedora”, finalizou Fátima.

Ciep 01.02.502 – Avenida dos Desfiles
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Professora Fátima E-mail: fgonmoreira@ig.com.br ou fmor1@bol.com.br