Edição 39 - Aula-Passeio Revela o Rio de Janeiro

Celso Antunes*

Freud, o pai da Psicanálise, está longe de ser uma unanimidade. Para alguns poucos, ele “já era”. Para muitos, suas idéias básicas continuam imbatíveis, ainda que existam acertos a serem feitos na periferia delas. Para outros, Freud é colossal e insubstituível, e seu pensamento é atualíssimo, ainda que não existam muitos capazes de compreendê-lo na íntegra. Seja, porém, qual for o ponto de vista que se tenha sobre esse mestre, uma coisa é certa: suas idéias marcaram o Século XIX e ingressaram com vigor neste século XXI, ainda novinho em folha.

Se ingressaram nos tempos agitados do terrorismo e do pavor, o que elas poderiam trazer de útil para a sala de aula comum, para o professor e suas angústias, para os desafios de cada dia? Poderiam, certamente, trazer muita coisa e, entre elas, cabe destacar seu valor para explicar a ansiedade criativa do aluno.

Para Freud, a maneira como somos, como pensamos, como nos vemos e como nos comportamos é produto de uma relação entre consciente e inconsciente. Somos, portanto, dirigidos por determinações alheias à nossa vontade, por serem comandadas pelo nosso eu interior. É por esse motivo que não podemos sonhar o que queremos, que muitos se ajustam ao fanatismo terrorista como forma de buscar um mundo utópico e que, com freqüência, pilhamo-nos em atos falhos.

O funcionamento intelectual do aluno é regido pela tensão entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, isto é, pela busca inconsciente do prazer ilimitado e pelos limites da realização possível. Entre esses dois limites, situa-se o estado de sua alucinação, verdadeira força motriz da criatividade quando, através de seus devaneios e pensamentos, realiza com vigor o que, na prática, não ousa reivindicar e nem mesmo confidencia aos seus colegas mais íntimos. Em síntese, a perda do objeto da fantasia origina um sentimento de desejo de restaurar essa perda dentro e fora do ego, e esse desejo é a base da sublimação. O aluno sublima essa ansiedade em forma de prazer integral. O papel do professor é, justamente, canalizar essa energia criativa, dirigindo-a a uma causa meritória e original.

A tarefa da educação criativa é buscar o equilíbrio entre a valorização do prazer e a ação cooperativa e voluntária. Aprendendo a conviver, sabendo de que maneira ajudar os demais e organizando-se em ações voluntárias para atender a uma causa justa, o aluno estará aprendendo a dar voz ativa, ainda que simbólica, a seus sonhos e devaneios. A criatividade é função da capacidade de sublimar, e sublimar pode ser a renúncia desse utópico prazer, substituído pela ação plausível, pelo voluntariado realizável, através de integral envolvimento em projetos consistentes de ação solidária. Não é apenas este ou aquele aluno que, na superação dessa força sublimadora, busca construir um mundo novo. São, literalmente, todos eles, ainda que com diferente energia. Se a escola e o mestre não o propõem, certamente os traficantes vão fazê-lo.

O melhor canal para conter a energia da sublimação é ajudar o aluno a construir seu mundo novo, e essa construção pode se dar em seu envolvimento integral com uma causa meritória bem concebida, em sua participação social delineada e estruturada pela escola e com sabedoria conduzida pelos professores. Freud que disse.

(*) Celso Antunes é escritor, pesquisador, especialista na área de Inteligência e Cognição e autor de vários títulos na área de educação.

Contato com o autor: cantunes@santanna.br