Edição 38 - Xeque-Mate O Xadrez nas Escolas

Frases
e tiradas engraçadas de alunos revelam como o mundo
é descoberto pelo olhar das crianças
Foi José Paulo Paes (1926-1998), escritor com alma
de criança, quem disse que todo poeta tem algo de
infantil. "A criança, a todo momento, está descobrindo
o mundo. E o poeta, por sua vez, é aquele que redescobre
o mundo. Quando supera a estereotipia que a vida cotidiana
o obriga, ele redescobre o mundo. E é como se estivesse
vendo as coisas pela primeira vez."
Enterrados no trabalho, estressados com o trânsito
e preocupados com o saldo da conta bancária, os adultos
deixam de aproveitar as descobertas que o mundo oferece.
"Falta tempo", se desculpam. Ao que o poeta rebateria:
"Falta é poesia." Por exemplo, são poucos os pais
que têm o hábito de anotar os diálogos ou comentários
de seus filhos quando eles começam a falar e a interagir.
O resultado dessa coleção de dizeres pode ser engraçado
e surpreendente.
Cuidadosa,
a mãe pergunta (ao filho de 8 anos)
- Bruninho, você comeu tudo?
- Não sei se o que eu comi foi o suficiente
para você.
(Extraído do livro Me
Dá o Teu Contente que Eu Te Dou o Meu) |
É
o que revela o livro Me Dá o Teu Contente que Eu Te
Dou o Meu, uma coletânea de frases infantis selecionadas
pela dona-de-casa Cristina Mattoso. Mãe de quatro
filhos - o mais velho com 28 anos, o mais novo com
19 -, desde as primeiras palavras do primeiro, Cristina
passou a anotar frases ou comentários que achava interessantes.
"Comecei a fazer isso influenciada pelo Pedro Bloch
(dramaturgo e médico pediatra), que me despertou a
atenção para a importância do que as crianças dizem",
afirma.
Em seus livros e artigos na imprensa, Bloch costumava
transcrever dizeres infantis. Alguns deles: "Strip-tease:
é mulher tirando a roupa toda, na frente de todo mundo,
sem ser pra tomar banho"; "Amar: é pensar no outro
mesmo quando a gente nem tá pensando"; "Cor-de-rosa:
é vermelho..., mas bem devagarzinho". Bloch chegou
a publicar, em livro, uma coletânea de frases ouvidas
em seu consultório, de crianças de três a nove anos.
Dicionário de Humor Infantil traz definições - algumas
poéticas - para palavras como amor, Deus e felicidade.
O
aluno, de 4 anos, era filho de pai inglês
e mãe brasileira. Um dia, a professora
convidou os alunos a ir a um lugar diferente,
próximo à lareira. Ele não
teve dúvidas e logo perguntou:
- Mas what's lareira?
(Registrada pelas professoras
da Escola da Vila - São Paulo-SP) |
Para
não esquecer o que seus filhos diziam, Cristina fazia
anotações em guardanapos de restaurante, canhoto de
talão de cheque, e depois as transcrevia em um caderno.
"Hoje, vejo que foi tão importante quanto ter um álbum
de fotografias", conta. Cristina recebeu o convite
para escrever o livro depois que a editora ficou sabendo
de sua coleção particular.
Ao organizar a publicação - ilustrada com desenhos
de crianças e jovens da Fundação Síndrome de Down
-, a autora recorreu a alguns amigos para selecionar
mais frases. Surgiu um problema: não foi fácil encontrar
quem tivesse o mesmo hábito de escrever o que os filhos
diziam. "Algumas pessoas contribuíram, mas a maioria
não tinha feito registro e não se lembrava de nada",
lamenta.
Fernanda
(três anos e meio), ao ser apresentada a
um amigo do pai, muito gago, pergunta:
- Mamãe, por que ele fala com eco?
(Extraído do livro Me
Dá o Teu Contente que Eu Te Dou o Meu). |
Na Escola da Vila, em São Paulo (SP), o registro de
comentários e diálogos dos estudantes é um hábito
das professoras e faz parte do trabalho. "Usamos esse
material como base para o projeto pedagógico. Partimos
do que as crianças já sabem, do que o grupo tem de
informação da vida fora da escola - o que eles pensam
das coisas, dos fenômenos naturais, das relações pessoais
etc. -, e os ajudamos a produzir conhecimentos novos",
explica Fernanda Flores, orientadora pedagógica.
Semanalmente, os professores se encontram para conversar
sobre o andamento dos trabalhos. Um dos materiais
usados nessas reuniões é o registro dos comentários
dos alunos. "Alguns são hilários", diverte-se Fernanda.
Exemplo: em uma classe com crianças de três a quatro
anos, os alunos conversavam sobre os dinossauros,
por causa das várias imagens e brinquedos que havia
na sala. Um aluno tinha acabado de ver um estegossauro
e as crianças discutiam o porquê daquelas placas em
suas costas. A professora revelou que o bicho provavelmente
as usava para se defender, pois só comia plantas.
Os espinhos no rabo serviam para ele poder lutar com
seus inimigos. Quando acabaram de ver a imagem, os
pequenos foram para o parque. Duas crianças voltaram
correndo: "Professora, vem ver o que a gente achou!".
E mostraram uma taturana. "É um filhinho de estegossauro!
Olha só as costas dele cheias de espinhos."
Fernanda Flores comenta que a história é engraçada,
mas, principalmente, sugere uma atividade para o professor.
As crianças não sabiam que o bicho que tinham encontrado
chamava-se taturana. Aquela situação criou uma oportunidade
para a professora levar os alunos até a biblioteca
e pesquisar sobre outros bichos semelhantes. "Não
se deve desprezar o que as crianças dizem", ensina.
Colaboração: Alexandre Pavan
Obs.: Matéria extraída da Revista Educação
E-mail: www.resvistaeducacao.com.br
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