Proposta de educação inclusiva promove interação entre alunos

Por Jaciara Moreira, Sandra Martins e Antônia Lúcia

De acordo com a determinação da LDB – Lei de Diretrizes e Bases n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Capítulo V, Artigos 58 e 59, os sistemas de ensino asseguram aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades, bem como a terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do Ensino Fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados.

Para Leila Blanco, diretora do Instituto Helena Antipoff – órgão responsável pela implementação de ações e acompanhamento dos alunos portadores de necessidades especiais –, durante muito tempo a Escola Especial foi considerada a única opção educacional para os portadores de necessidades especiais, por não se acreditar nas possibilidades de partilharem com os demais alunos o mesmo processo educacional.

Segundo ela, atualmente, com a descoberta de que a aprendizagem propulsiona o desen-volvimento humano influenciando, inclusive na arquitetura cerebral, as propostas educacionais precisam superar os modelos mecânicos nos quais estavam pautadas para dar lugar às relações sociais. A nova educação pressupõe que, sendo a escola o local privilegiado de aprendizagem, é nela, respeitando-se a diversidade de culturas e de características individuais, que cada indivíduo constitui, cooperativamente, novos saberes e formas de se relacionar com as múltiplas realidades”, explica Leila Blanco.

Quando a Educação Supera Limites

Baseada também na premissa de que a aprendizagem é um dos agentes responsáveis pela integração social dos alunos especiais na sociedade, a Escola Estadual de Educação Especial Professor Álvaro Caetano de Oliveira (EEEEPACO), localizada no Barreto, em Niterói, vem desenvolvendo o Projeto Educar Para a Vida. A unidade atende a portadores de necessidades educacionais especiais e, mais do que ensinar o bê-a-bá dos livros, está preocupada em inserir os alunos na sociedade. Atualmente, cerca de 140 adoles-centes e adultos estão matriculados na escola.

Dentro desse contexto de integração social, o contato com a natureza é bastante valorizado pelos professores. Por isso, a cada 5 de junho – Dia Mundial do Meio Ambiente – são realizadas atividades que permitem maior contato dos alunos com o verde. Este ano, o Horto do bairro foi o cenário escolhido. Com a ajuda dos professores, os alunos plantaram mudas, dese-nharam, conheceram espécies e ouviram histórias sobre a importância da reciclagem. Um grupo de estudantes abraçou uma das árvores do parque para lembrar a importância da preservação do meio ambiente. Segundo os professores, atividades como essas auxiliam no processo ensino-aprendizagem.

A professora e pedagoga Suely Pereira, por exemplo, uma das responsáveis pela alfabetização, ensinou os alunos a formar palavras com sementes e folhas secas caídas das árvores.

“Nossos alunos têm dificuldade para fixar informações, e recursos assim os ajudam a memorizar melhor as letras, as palavras, além de estimulá-los. Nosso trabalho é feito com base no construtivismo, ou seja, construímos junto com eles os temas das aulas. Uma experiência vivenciada no fim de semana, histórias ou cenas de um filme podem ser utilizadas para ilustrar as aulas e fazer os alunos entenderem melhor o que é ensinado”, diz Suely.

Recursos Alternativos

Hoje, a escola tem um programa pedagógico que inclui 50% de oficina e 50% de escolarização. De acordo com os professores, os métodos convencionais de ensino servem de apoio para a educação especial. Símbolos, recortes de jornais e revistas, programa de computadores (Word, Logo e jogos eletrônicos) são alguns dos recursos utilizados para facilitar o processo ensino-aprendizagem. O pedagogo Wander Moreno Gonçalves, especializado em educação para portadores de deficiência mental, acrescenta que o material didático também é o mais próximo possível do convencional. A diferença é que, às vezes, uma lição precisa ser repetida várias vezes até ser memorizada ou trabalhada com o apoio de recursos alternativos como os recortes de jornal. O principal objetivo é tornar o aluno o mais participativo possível.

“Procuramos não nos distanciar do sistema de ensino convencional, porque quanto mais você cria métodos especiais mais você exclui. Por isso, nossa metodologia especial é trabalhada a partir de programas convencionais. Só não temos compromisso com prazos. Trabalhamos com estimativas, respeitando as limitações de cada aluno. Esta também é uma forma de respeitar o portador de necessidades educacionais especiais”, afirma Wander.

“O importante é a escola estar preparada para os alunos, não os alunos para a escola”, completa Jeorginearle.

As provas, as avaliações e os conceitos também são aplicados conforme a evolução do aluno.

Preparando Para a Vida

As oficinas são o espaço que melhor traduzem o lema principal da escola – Educar Para a Vida. Nelas, os alunos aprendem a superar limites, desenvolvendo habilidades que, até então, eram desconhecidas por eles mesmos e pelos familiares. Um dos exemplos é o de Irineu Leite Filho, 43 anos, portador de deficiência mental, que participou da oficina de eventos e festas (formação de garçons) e agora coordena os colegas.

“Quando a escola participa de algum evento, são os meninos do curso de garçom que trabalham no buffet. As pessoas ficam encantadas com o trabalho deles. Irineu é o chefe da equipe”, conta, com orgulho, a diretora.

Desde o primeiro momento em que entra na escola, o aluno é inserido em uma das oficinas. Além do trabalho socioeducativo, as atividades ajudam os professores a descobrir a habilidade de cada um. Por isso, em geral, eles passam por várias oficinas: artesanato, pintura em tecido e vidro, cozinha experimental. Depois que é feita a sondagem das habilidades, o aluno pode chegar à oficina de cestaria – que exige maior desenvoltura.

Recortando, enrolando e entrelaçando folhas de jornais, revistas e encartes de supermercados, os alunos produzem cestos de pão, porta-bolos, porta-ovos, suportes para pratos, chapéus, entre outras peças. A técnica é a mesma utilizada em um curso de cestaria comum. Segundo a professora Senhorinha Fernandes, a diferença está na credibilidade e na valorização que os portadores de necessidades educacionais especiais recebem na escola.

 

Uma História de Amor

Até 1983, o espaço hoje ocupado pela EEEEPACO era utilizado apenas para a realização de oficinas pedagógicas. Um ano depois, o local foi transformado em escola de educação especial. A história do colégio se confunde com a da atual diretora Jeorginearle de França Conceição, irmã de um portador da Síndrome de Down.

“Sonhei em fazer da escola um lugar digno dos portadores de necessidades especiais”, revela Jeorginearle, que chegou à EEEEPACO como professora.

Depois da morte do pai, Jeorginearle passou a cuidar do irmão, Jayme Luiz de França Conceição, como se fosse filho e, a partir daí, nasceu o interesse pela educação especial. Em 1990, quando assumiu a direção da EEEEPACO, a educadora percebeu que a instituição precisava passar por uma reformulação para atender melhor os alunos. Houve uma transformação geral no que se refere à arquitetura, à capacitação dos professores e à proposta pedagógica.

“Luizinho (o irmão) é a minha vida e eu me inspirei nele para reformar a escola. Eliminamos barreiras como escadas e portões estreitos e passamos a ter uma nova preocupação que é a de inserir o aluno na sociedade. Para isso, temos as oficinas de treinamento e especialização, além de parcerias com a Prefeitura de Niterói e o Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante (CETEP) da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), que permitem que nossos alunos tenham aulas de natação, capoeira, dança e futebol”, explica a diretora.

A EEEEPACO aceita alunos a partir de 12 anos portadores de deficiência mental, problemas auditivos e visuais, além de portadores de deficiências múltiplas (síndromes). Não há limite de idade para o desligamento da escola. Para evitar rótulos ou inclusões equivocadas, antes de ser considerado um aluno especial, o adolescente ou adulto passa pela avaliação de uma equipe multidisciplinar da própria escola, composta por psicólogo, pedagogo, fonoaudiólogo, assistente social, terapeuta, neurologista e fisioterapeuta.

“Temos que amar os alunos especiais, não segregar. A segregação é o maior crime”, finaliza Jeorginearle.

Projeto Despertar – Uma Proposta Educacional Para Alunos com Indicadores de Superdotação

Outra escola que vem trabalhando a integração social dos alunos especiais é a E. E. Manoel de Abreu, localizada em Niterói. Neste caso, no entanto, o público-alvo da instituição são os alunos com indicadores de Superdotação.

A escola está desenvolvendo o Projeto Despertar, uma proposta educacional que utiliza a metodologia de ensino “Unidade de Centro de Interesse”, criada pelo psicólogo Ovide Decroli para desenvolver e estimular talentos e habilidades específicas nos alunos com indicadores de Superdotação/Altas Habilidades.

O projeto – que já foi desenvolvido no Colégio E. E. Dr. Memória, no Centro Integrado para Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais (CIPPNE) e no CIEP 236 em São Gonçalo – ganhou uma versão social para atendimento à comunidade niteroiense e, atualmente, funciona junto com a Secretaria de Educação e Cultura de Niterói.

Aguçar a percepção do profissional de Educação e instrumentalizá-lo para desenvolver, de maneira adequada, as potencialidades de alunos com indicadores de superdotação, a fim de que eles possam expressar-se, livre e positivamente, em favor da comunidade, fomentando sua inclusão no contexto social, são os princípios que norteiam o Projeto Despertar.

Criado originalmente para atender aos estudantes com indicadores de superdotação, o Projeto Despertar também pode ser aplicado aos alunos considerados “normais” ou aos portadores de “necessidades especiais”, uma vez que não leva em conta apenas o Quociente Intelectual (QI) dessas crianças. Com assessoria da psicóloga e doutora em Superdotação da UFF Cristina M. Carvalho Delou, Maria de Fátima Campany Ferraz, coordenadora do projeto, baseou a metodologia deste nos postulados do psicólogo belga Ovide Decroly (Unidade de Centro de Interesse) e de Howard Gardner (Teoria das Inteligências Múltiplas).

O projeto compreende atividades psicopedagógicas realizadas com grupos de até dez alunos na Sala de Recursos, em caráter extracurricular, com o objetivo de enriquecer o potencial das crianças. Para a sua implementação, é fundamental que todos tenham consciência da importância do trabalho em equipe, ou seja, professores, diretores e coordenadores (aceitação, capacitação e identificação do talento), família (parceria e estímulo) e aluno (interesse e empenho).

Os alunos indicados são submetidos a avaliações psicomé-tricas (entrevistas e testes espe-cíficos), feitas pelo psicólogo e avaliação pedagógica, feita pelo orientador pedagógico e/ou professores, para a identificação ou caracterização da superdo-tação. Os pais são entrevistados e instruídos sobre todos os pro-cedimentos e objetivos, espera-dos e alcançados, ao longo do projeto.

O planejamento das atividades é aberto e flexível, feito em con-junto (alunos e professores), podendo estar incluídas ativi-dades extraclasse (visitas a museus, teatros, consultas a bibliotecas, entrevistas com profissionais de diferentes áreas, entre outras), ao final de cada unidade. Neste projeto, os professores funcionam como orientadores ou facilitadores do aprendizado dos alunos.

Na avaliação do projeto são utilizados documentos indivi-duais e coletivos produzidos durante o período de reali-zação das atividades, assim como o depoimento de alunos, professores, diretores e fami-liares que relatam os benefícios socioeducacionais alcançados pelos participantes.

Segundo a psicóloga e pós-graduada em Educação Espe-cial Maria de Fátima Campany Ferraz, as pessoas com indica-dores de superdotação podem, se não forem atendidas de maneira adequada, reagir de forma agressiva, manter a atenção dispersa e até mesmo apresentar um rendimento escolar insatisfatório. O superdotado apresenta potencial geral acima da média e destaca-se dos demais por várias características, entre as quais a característica de líder.

Ao lembrar que a superdotação está presente em todas as camadas sociais, a psicóloga Maria de Fátima alerta para o perigo do subaproveitamento do potencial destes indivíduos. Ao ser impedido, por uma série de fatores, de manifestar adequadamente sua superdotação, este sujeito, se inserido em ambientes inadequados, tem probabilidade de vir a ser um elemento prejudicial à sociedade.

Unidades que já foram trabalhadas

Desde 1997, quando foi iniciado, participaram do Projeto Despertar cerca de 50 estudantes com idades entre 4 e 16 anos, da pré-escola à 8.ª série.

Na E. E. Dr. Memória, em 1997, entre as unidades trabalhadas, destacam-se: Eu, Quem Sou Eu, Do que Eu Gosto, Nós, Os Animais que Eu Conheço. Esportes Mundiais, Terra e Universo.
Na E. E. Manoel de Abreu, em Niterói, este projeto está incluído no Plano Peda-gógico e tem sido desenvolvido inin-terruptamente pela professora da Sala de Recursos e psicóloga Márcia Brígida Pinheiro. Entre os diversos temas abordados, destacam-se: As leis são justas?, A influência dos programas de maior Ibope da TV sobre o comportamento dos telespectadores e o evento Explosão de Talentos, com destaque para os alunos com vozes de soprano e tenor e grupos de pagodes.

Em agosto de 1998, o Projeto Despertar foi inserido junto à equipe de professores e técnicos do Centro de Integração para Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais (CIPPNE), sediado no CIEP 236, Paraíso, São Gonçalo, atendendo a alunos provenientes de diferentes comunidades.

Apesar dos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pelas escolas, o ensino especial ainda traz consigo alguns mitos do senso comum que, muitas vezes, tendem a dificultar o que prevê a legislação, contribuindo, assim, para que o ensino educacional especial seja negligenciado não só pelos familiares, mas por boa parte da sociedade.

Instituto Helena Antipoff – Tel.: (21) 2569-6806
Escola Estadual de Educação Especial Professor Álvaro Caetano de Oliveira (EEEEPACO) – Tel.: (21) 2717-2435
Projeto Despertar – Coordenadora: Maria de Fátima Campany Ferraz – Tel.: (21) 2620-1714 e 9346-1123