O Impressionismo – A arte de deslumbrar o olhar


As luzes e cores da Baía de Guanabara inspiraram Edouard Manet, um dos mais importantes pintores impressionistas.

O ano de 1874 presencia o que para muitos estudiosos seria o momento inaugural da modernidade, refletindo na criação artística o prenúncio de uma era de grandes rompimentos, inovações e tentativas de estabelecer uma visão de mundo independente e não determinada pelas grandes narrativas do passado. É nesse contexto que o intenso ambiente cultural parisiense vai se deparar com a primeira mostra de trabalhos de um grupo de artistas que entraria para a história da arte com o nome de “impressionistas”.

As primeiras criações dos pintores que partilham uma visão singular das artes plásticas (sem contudo constituírem nenhum tipo de movimento organizado) seriam mal recebidas pelos críticos e habituais frequentadores de espaços artísticos. Saltava aos olhos a ausência de uma série de procedimentos técnicos básicos consagrados pelo academicismo das belas-artes até aquele momento. Até aí tudo bem para o ousado grupo de artistas, pois sua atitude artística primordial era justamente propor um novo conceito do que representava o ato de pintar, uma visão renovada da relação entre os elementos envolvidos na criação pictórica.

O impressionismo pode ser entendido como uma arte que se rebela contra o predomínio de regras apregoadas pelos acadêmicos e que tenta recuperar uma criação que reproduza a vida na sua dinâmica própria, sem representar os objetos a partir de noções mais ou menos fixas de como eles se apresentariam ao olhar. Dessa proposta decorrem algumas deduções importantes, como o conceito de cor, que os impressionistas entendem como algo suscetível de revelar propriedades visuais diferentes de acordo com condições exteriores, como a luz ambiente ou o próprio olhar do artista, enquanto a tradição até então tendia a considerá-la como uma espécie de qualidade permanente na natureza. As infinitas possibilidades atribuídas à cor se caracterizariam como uma das grandes fixações dos impressionistas.

Outros elementos também são redefinidos na pintura impressionista. A linha, por exemplo, é entendida como uma abstração criada pelo olhar habitual e como algo que não existe de fato na natureza. Da mesma forma, a associação das sombras com as tonalidades escuras são meras convenções didáticas, que os impressionistas propõem reproduzir com tonalidades que expressam luminosidade e vivacidade.

É a própria aplicação das cores que trata de induzir o olhar para a existência da área pouco iluminada. Assim, os impressionistas desenvolvem uma verdadeira teoria da luz e da cor, sistematizando algumas noções que já haviam sido exploradas no passado como tentativas isoladas. O maior exemplo talvez tenha sido a incessante busca por captar os recursos da própria natureza empreendida por Leonardo da Vinci, no Renascentismo.

Arte ao ar livre

Essas redefinições de certos aspectos pictóricos estão relacionadas a uma outra grande paixão impressionista: a valorização da pintura ao ar livre em oposição aos famosos estúdios tão comumente empregados nas escolas de arte. Aliás, a ideia de uma arte que privilegia as cores e luzes do ambiente natural seria outra grande novidade impressionista, relacionada ao próprio advento de uma visão moderna de mundo. Isso porque, contrariamente aos românticos que os precedem, que apostam na idealização e na fugacidade, os modernos se interessam pelo “mundo real”, pela força das coisas que se estabelecem pelos sentidos e pela razão.

Por isso ficariam famosas as intervenções de pintores como Claude Monet, que retratavam um mesmo objeto ou paisagens várias vezes, em situações diversas de iluminação, ou seja, uma pintura na verdade mais preocupada com a maneira pela qual o artista enxerga o mundo do que com a própria coisa retratada. E aí se pode talvez sintetizar a filosofia artística dos impressionistas: uma arte de pintar formas de ver o mundo. Como consequência, o impressionismo valoriza a sensibilidade e a intuição do artista, mas também redefine a participação de quem aprecia a obra de arte.

Georges Seurat, por exemplo, leva ao extremo essa visão de arte quando propõe uma pintura formada por pontos de cores básicas, que o admirador tende a perceber como se fossem gradações de cor, caso em que a distância de que se observa o quadro pode afetar a percepção. Em outras palavras, quem aprecia a obra de arte também é impelido a se movimentar e buscar outras condições de observação, com as quais a obra pode ganhar novos aspectos de cor e tonalidade.

O mundo “real” vai ser um dos temas preferidos dos impressionistas. Pierre-Auguste Renoir, por exemplo, um dos mais populares artistas dessa escola, ficaria muito conhecido pelos seus muitos quadros retratando a Paris do final do século XIX, com sua vivacidade, alegria, seus muitos locais de encontro social, danças e mulheres bonitas. Aliás, poderíamos vê-las como um capítulo à parte na trajetória dos impressionistas, tantas seriam as obras que as retratariam em suas expressões de elegância e naturalidade, inclusive com a forte presença da nudez, empregada como modo de enfatizar a delicadeza do corpo feminino em sua pureza natural, rejeitando o erotismo ou a sensualidade.

Há uma referência científica importante a conduzir a proposta impressionista. O final do século XIX registra uma sequência de cientistas e obras que se debruçam sobre o caráter fisiológico da visão. M. Eugene Chevraul, um químico francês, descobriu que o contraste entre as cores poderia sugerir ao olho humano uma percepção diferente das tonalidades. Assim, colocar uma cor ao lado da outra poderia induzir o olhar a perceber tons diferentes, o que levava os impressionistas a abandonar os tradicionais métodos de mistura de cores através da palheta e apostar no contraste como forma de criar tonalidades e variações visuais.

 

Arte aliada à ciência

As pesquisas de cientistas como Hermann von Helmholtz também ajudaram a constituir a atmosfera na qual os impressionistas iriam produzir suas obras. Segundo ele, um estímulo luminoso poderia mobilizar três tipos de fibra nervosa no aparelho ótico, produzindo a sensação primária do vermelho, do verde e do violeta. Dessa forma, ao reproduzirem o esplendor da luz, os artistas acabavam por conduzir o olhar do espectador para reconstruir as cores, a partir da excitação fisiológica de suas fibras nervosas. Mas é necessário considerar que essas intervenções artísticas foram antes intuitivas e experimentais, isto é, os pintores não foram estudiosos de teses científicas que depois aplicaram em seus trabalhos. Foram os críticos da arte impressionista que iriam buscar na ciência condições de entender os efeitos propostos pelos artistas. Estes sim é que muitas vezes teriam seus trabalhos utilizados como ponto de partida para estudiosos desenvolverem suas teses.

Como arte que introduz a modernidade e antecipa vários movimentos de vanguarda principalmente nos primeiros anos do século XX, o impressionismo seria antes de tudo uma arte de rebeldia ao estabelecimento de padrões consagrados pelo tempo e pela influência de gênios reconhecidos do passado. Uma escola que aposta numa forma totalmente nova não só do artista mas de todos se relacionarem com o mundo exterior.

Uma arte que representa um mundo que reserva ao sujeito individual não mais a passividade dos papéis sociais, mas o requisita e envolve na dinâmica das atividades humanas. No que tange aos impressionistas, solicita-se desse indivíduo não mais a postura do observador estático, mas a inquietude de quem é parte de um processo de fruição da arte, de quem também pode criar, ainda que induzido pelos seus próprios sentidos.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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