Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, e agora?


Saiba como lidar com o aluno que vê o mundo de uma maneira diferente, com o desafio de manter a atenção de mentes inquietas

Rotulados de preguiçosos, mal-educados, avoados, irresponsáveis ou rebeldes, na realidade há pessoas que podem registrar um funcionamento cerebral diferente, que a faz agir dessa forma. O TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) ou simplesmente TDA é caracterizado por sintomas como a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Para entender melhor sobre o assunto e como o professor pode lidar com o transtorno em sala de aula, a Revista Appai Educar conversou com o neurologista infantil Milton Genes e a psicopedagoga Rita Thompson.

De acordo com os especialistas, o TDAH é um transtorno mental crônico, neurobiológico, multifatorial, muito comum na infância e de grande impacto sobre o portador, a família e a sociedade. “É um transtorno de desenvolvimento do autocontrole, que consiste em problemas com os períodos de atenção, com o controle do impulso e com o nível de atividade. Até o momento, a causa não é totalmente conhecida, existindo várias teorias para o seu aparecimento, tais como: predisposição genética, anormalidades nos gânglios da base e comprometimento do lobo frontal, esse último justamente uma região relacionada à inibição de comportamentos inadequados, à capacidade de prestar atenção, ao autocontrole e ao planejamento”, explicam.

Segundo informações das publicações Classificação Internacional das Doenças (1992) e do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (2013), a prevalência do transtorno acontece em 3 a 7% das crianças em idade escolar, ficando a média no Brasil em torno de 5,8%. O início é precoce, geralmente antes dos cinco anos de idade. Ocorre mais em meninos do que em meninas, sendo o tipo hiperativo mais frequente neles e o desatento, mais comum nelas.

“O TDAH é um transtorno mental crônico, neurobiológico, multifatorial, muito comum na infância e de grande impacto sobre o portador, a família e a sociedade.”

Os especialistas explicam que, em função do elevado nível de comorbidades, o TDAH torna-se um diagnóstico de difícil conclusão e presente em quadros nos quais outras patologias estão instaladas. Comorbidade é definida como a presença de dois diferentes diagnósticos ao mesmo tempo. Dois terços das crianças portadoras de TDAH apresentam comorbidades como:

Conforme dito anteriormente, a desatenção, hiperatividade e impulsividade são considerados como sintomas do TDAH. Para que sejam entendidos como características, devem ocorrer em frequência acima do comum. “O diagnóstico do TDAH é essencialmente clínico, envolvendo critérios específicos. Os sintomas centrais da doença de inadequação resultam em comprometimento clinicamente significativo das funções sociais, acadêmicas ou profissionais. Observa-se uma falta de perseverança nas tarefas que exigem um envolvimento cognitivo e uma tendência a passar de um trabalho a outro sem concluir nenhum, tudo isso associado a uma atividade global desorganizada, incoordenada e excessiva. A instalação precoce de sintomas de TDAH está relacionada a um pior funcionamento cognitivo em avaliações de linguagem, altas taxas de comorbidades, além de desajustes familiares”, garantem os especialistas.

Em adultos, o transtorno afeta a vida pessoal e profissional?

De acordo com os especialistas, o TDAH não é restrito à infância. Pelo menos 50% das crianças com TDAH continuam a apresentar o quadro quando adultas, constituindo o transtorno neuropsiquiátrico não diagnosticado mais presente. Os sintomas de TDAH se modificam com a maturidade. Relatos de adultos com TDAH apontam dificuldades nos sintomas de mudanças frequentes das atividades, irritabilidade, impaciência e agitação, além de problemas no local de trabalho, no funcionamento social, nos relacionamentos e casamentos. É comum que mudem frequentemente de emprego e apresentem desempenho ruim. Além disso, tendem a ficar impacientes, considerar as tarefas repetitivas e entediantes com o passar do tempo e a demonstrar inquietude e tédio.

As consequências individuais (incluindo a baixa autoestima), familiares e sociais geram sempre algum grau de incapacidade e sofrimento, associado a prejuízo significativo do desempenho pessoal e profissional. Dentre os vários domínios afetados, o que demonstrou maior comprometimento foi o da educação. É comum que adultos com TDAH tenham menos anos de estudo do que indivíduos que não apresentam o transtorno. Apenas 75% completam o Ensino Médio e poucos terminam a faculdade. Pesquisas mostram que existe maior possibilidade de acidentes com portadores durante o ato de dirigir ou operar veículos motores, e também apontam para problemas de gerenciamento dos recursos financeiros, como deixar de pagar contas ou honrar compromissos, dificuldades em guardar dinheiro, comprar por impulso etc.

O TDAH tem cura?

Segundo o neurologista e a psicopedagoga, o transtorno tem características de desenvolvimento importantes, que surgem possivelmente no início da infância e continuam a ocorrer de diferentes formas ao longo da vida. Há evidências significativas de que os portadores do TDAH continuam a apresentar problemas durante a adolescência e até mesmo na idade adulta, apesar de haver probabilidade de que a forma exata de manifestação dos sintomas mude.

As pesquisas apontam a estimativa de que entre 30 e 50% dos adultos diagnosticados com TDAH durante a infância continuarão a apresentar problemas e relatarão sintomas intensos o suficiente para interferir nas funções da vida diária. Sabe-se também que o comportamento hiperativo/impulsivo muitas vezes diminui em adolescentes e adultos, enquanto os sintomas de desatenção tendem a se manter ou se tornar mais óbvios. Adultos com TDAH têm maior probabilidade de apresentar depressão, ansiedade, baixa autoestima.

Em relação ao tratamento medicamentoso, o neurologista ressalta que as drogas psicoestimulantes podem melhorar significativamente o distúrbio de atenção e reduzir sintomas de hiperatividade, tendo pouca ação nas demais manifestações clínicas. “Aliado ao tratamento medicamentoso, devemos ter um acompanhamento multidisciplinar que envolva atendimento nas áreas da psicologia, fonoaudiologia, psicomotricidade, psicopedagogia, além de orientação familiar continuada”, explica.

Como o professor pode identifi car uma criança com TDAH?

Nos últimos anos, as escolas têm se deparado com um alto índice de crianças que se distraem com facilidade, desatentas e com problemas com as aprendizagens formais. Os especialistas explicam que os alunos com TDAH apresentam alto risco de difi culdades de conquista  acadêmica, desenvolvimento de comportamento antissociale distúrbios no relacionamento com colegas e professores. “De fato, crianças e adolescentes com este transtorno vivenciam algumas de suas maiores dificuldades em cenários educacionais As crianças hipercinéticas são frequentemente imprudentes e impulsivas, sujeitas a acidentes. Muitas vezes se tornam impopulares com as situações de aula que requerem controle ou incorrem na quebra de regras disciplinares, mais por infrações não premeditadas do que por desafio deliberado”, explicam.

Em relação ao estudante desatento, os especialistas ressaltam que é preciso compreender que nem todos os alunos distraídos em sala de aula apresentam TDAH. Por isso, a importância de saber a relação entre atenção e aprendizagem.
Para que esta última ocorra é necessário um nível de consciência adequado da parte do aprendiz. “Já desde muito pequeno, no período em que a criança começa a conhecer o mundo através da figura materna ou de quem cumpra essa função, a atenção espontânea lhe permite discriminar e reconhecer os objetos relevantes, como a voz da mãe, o perfume, os objetos em movimento. Esta conduta é produzida por um reflexo de orientação-investigação, que são os primórdios da atenção.

“As crianças hipercinéticas são frequentemente imprudentes e impulsivas, sujeitas a acidentes.”

Um aluno com déficit atencional tem dificuldades para focalizar sua atenção em um conteúdo, assim como concentrar-se por muito tempo. Observamos também problemas na hora de seguir instruções, para organizar as tarefas, para cuidar de seus materiais, para se lembrar de  responsabilidades, dentre outras coisas”, esclarecem. O TDAH pode atingir os pais que, ao ficarem muito estressados, tendem a se mostrar desatentos para com o comportamento do filho. Por isso, os especialistas destacam a importância da parceria com a escola por meio de dicas. “É importante que o professor explique aos pais quais as dificuldades que o aluno apresenta, oferecendo estratégias para incrementar a atenção, a regulação do comportamento, oportunizando uma educação mais adequada às necessidades da criança e para o desenvolvimento de suas potencialidades”, garantem Milton e Rita.

Crianças e adolescentes com TDAH necessitam de aulas diferentes das tradicionais?

Pesquisas apontam que aproximadamente 20% das crianças com TDAH também apresentam transtorno de aprendizagem ou déficit em habilidades escolares, sendo que até 80% sofrem com o problema. Um melhor conhecimento do funcionamento da atenção e da ritmicidade dos alunos pode ajudar a melhorar as condições e os momentos da aprendizagem. O neurologista e a psicopedagoga dão algumas dicas:

– Orientar os pais e alunos sobre a importância da preservação do sono. Um exemplo disso é o alto índice de adolescentes que ficam até altas horas da madrugada conectados nas mídias sociais.

– Resultados de pesquisas mostram as diversas variações na capacidade da atenção – ela aumenta ao longo da manhã, diminui após o almoço para voltar a aumentar durante o final da tarde, ou seja, os piores momentos de eficácia da atenção se situam pela manhã e no começo da tarde. O professor deve estar alerta para esse dado.

– Outro aspecto a ser observado no aluno com TDAH é o seu estilo cognitivo, que se refere à forma específica como as pessoas percebem e processam a informação. Estes estilos podem facilitar ou dificultar a aprendizagem e a percepção do mundo que as cerca. Crianças hiperativas se caracterizam por sua impulsividade. Não refletem o suficiente antes de agir e não antecipam  as consequências de suas ações. Têm menor variedade de respostas e enfrentam os problemas de forma não sistemática, funcionando por tentativa e erro, tendendo a ficar “atadas” a soluções malsucedidas, já que lhes falta flexibilidade para gerar novas alternativas. Também influi sua baixa tolerância a frustrações, o que faz com que se transformem com facilidade diante das dificuldades, impedindo que enfrentem novas informações, as quais lhe permitiriam resolver o problema de outra maneira.

Em relação ao estudante desatento, os especialistas ressaltam que é preciso compreender que nem todos os alunos distraídos em sala de aula apresentam TDAH. Por isso, a importância de saber a relação entre atenção e aprendizagem.
Para que esta última ocorra é necessário um nível de consciência adequado da parte do aprendiz. “Já desde muito pequeno, no período em que a criança começa a conhecer o mundo através da figura materna ou de quem cumpra essa  função, a atenção espontânea lhe permite discriminar e reconhecer os objetos relevantes, como a voz da mãe, o perfume, os objetos em movimento. Esta conduta é produzida por um reflexo de orientação-investigação, que são os primórdios da atenção.

As escolas estão preparadas para receber alunos com TDAH?

A escola é a primeira instância fora do âmbito familiar que julga as potencialidades e também é o lugar onde se tornam mais evidentes os problemas atencionais. A condição TDAH adquire um real significado no momento em que a criança faz seu ingresso no sistema escolar. Porém inicialmente é muito difícil as instituições entenderem as questões que o aluno com TDAH pode apresentar. Por isso, cada vez mais, as escolas têm buscado informações sobre a existência dos diferentes transtornos do neurodesenvolvimento. “A conduta para lidar com as crianças afetadas pelo TDAH baseia-se em alguns princípios das teorias da aprendizagem, que é importante conhecer para selecionar os mais adequados para cada indivíduo. Um princípio básico dessas teorias consiste em considerar que o organismo sempre procura maximizar o prazer e minimizar a dor”, explicam os especialistas. A partir daí, chega-se a algumas possibilidades:

a) aumentar as ações das crianças que obtenham alguma recompensa ou consequência positiva – ao entregar benesses por realização de condutas adequadas, estas devem estar claramente identificadas à medida que seus progressos e frequências de ocorrências são monitorados.

b) princípio das aproximações sucessivas – é necessário reforçar as aproximações da criança à conduta desejada, e não esperar que seja obtida completamente para só aí reforçá-la.

c) princípio do modelamento – recurso no qual as pessoas valorizadas pela criança signifiquem para ela um modelo de aprendizagem a ser imitado (pode ser o educador, um colega, um membro da família).

d) ter uma perspectiva clara da magnitude das dificuldades do aluno – o professor deve manter-se calmo diante das manifestações disruptivas.

O educador deve definir metas e objetivos e ter claro o comportamento que deseja melhorar ou eliminar. Para tanto, poderá se valer dos seguintes recursos:

– Estruturar o ensino (fragmentar quantidade de material a ser lido, utilizar marcadores de texto que orientem o estudo, uso de recursos facilitadores, como gravador, computador etc.).

– Uso de modelos e recursos gráficos e concretos sempre que possível.

– Utilizar estratégias de ensino ativo no processo de aprendizagem.

– Discutir as situações difíceis individualmente.

Quanto aos gestores, é importante que ofereçam aos professores uma capacitação continuada de forma a atualizá-los sobre os possíveis recursos a serem utilizados com seus alunos, assim como sobre os novos conhecimentos sobre o transtorno. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/96) dedica um capítulo específico à educação especial, deixando bem claro o papel e as obrigações das instituições sobre a adequação do ensino aos alunos com necessidades especiais. “Portanto, a possibilidade de flexibilidade na implementação de currículos adaptados, com processos de avaliação diferenciados e estratégias individualizadas, é amplamente prevista e incentivada pelo órgão regulador”, garantem Rita e Milton.

O TDAH na escola significa muito mais que um desafio para os professores, mas um aprendizado que educadores podem ter na função de lecionar. É importante saber como os docentes podem ajudar em casos de alunos que apresentam as características do transtorno. Depois dos pais, ninguém convive mais com as crianças e os adolescentes do que a escola. Por conta disso, é imprescindível que haja total atenção aos pequenos estudantes, pois somente assim será possível detectar algum problema que esteja relacionado à aprendizagem ou aos relacionamentos com os colegas de sala.

Embora os desafios surjam no cotidiano, pode-se dizer que existem muitas maneiras de estabelecer uma relação satisfatória entre o educador, o estudante e o restante da turma. Quando o professor acompanha os alunos em seus progressos e dificuldades, fica muito mais fácil avaliar a situação dos estudantes. É importante que haja uma parceria entre educadores, pais, profissionais da área da saúde e a criança. Apenas com tal compreensão e determinação a criança com TDAH encontrará formas de viver melhor em todos os ambientes.


Rita Thompson é pedagoga, psicopedagoga, psicomotricista, Mestre em Educação, Especialista em Psicomotricidade, Diretora do Instituto de Pesquisas Neuropsiquiátricas Suav e atual Presidente da Associação Brasileira de Neurologia, Psiquiatria Infantil e Profissões Afins (Abenepi).

Milton Genes é neurologista infantil, Mestre em Neurologia, Especialista em Pediatria, Membro do Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de atenção (ABDA), Membro do Conselho Consultivo da Abenepi.


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